terça-feira, 8 de março de 2011

Frio e a atividade física

Principais tópicos

- Atletas podem exercitar-se com segurança no frio graças às respostas fisiológicas normais do organismo e ao uso de roupas adequadas.
- A aclimatação ao frio pode ocorrer, embora estudos já realizados até hoje não forneçam uma confirmação clara.
- A tolerância a baixas temperaturas pode aumentar com o condicionamento físico, ou seja, aumenta a capacidade de realizar trabalho e gerar calor.

Introdução

Frio! Tal pensamento gera imagens contraditórias em cabeças diferentes. Para alguns de nós, o frio provoca certa rejeição, fazendo com que nos desloquemos até a lareira ou em direção ao Equador. Para outros, o primeiro vento gelado do outono evoca imagens de bonecos de neve e malhas de lã. Para muitos, o frio representa um desafio, uma espécie de desagradável agente ambiental de estresse que deve ser superado durante as diversas atividades da vida diária. Muitos atletas e fanáticos da boa forma incluem-se nesta última categoria. Para eles, o frio pode ser uma complicação irritante, um fator que pode limitar o desempenho, exige modificações na atividade e em condições extremas, representa um risco à saúde.


Felizmente, a maioria das pessoas fisicamente ativas possui capacidade fisiológica e inteligência para lidar com o frio. Esta rápida revisão tem como objetivo: 1) resumir as respostas fisiológicas do organismo à exposição ao frio; 2) descrever os efeitos do frio nas respostas fisiológicas ao exercício; 3) apontar vários fatores que afetam a tolerância ao calor; 4) discutir os riscos à saúde associados ao exercício no frio e 5) fornecer sugestões práticas para pessoas que se exercitam em ambientes frios.

Termorregulação no Frio

Em repouso, a exposição ao frio provoca duas respostas fisiológicas essenciais que contribuem para a manutenção do equilíbrio térmico. Essas respostas são a termogênese e a vaso constrição periféricas: estas levam ao aumento da produção de calor e à diminuição da perda de calor, respectivamente.
O aumento da termogênese durante a exposição a baixas temperaturas é resultante do tremor, resposta fisiológica que aumenta significativamente a taxa metabólica. Toda energia despendida pelo tremor é convertida em calor.
O tremor pode aumentar a taxa metabólica em três vezes ou mais que o nível em repouso (1). A resposta do tremor ao frio é controlada pelo centro termorregulador, localizado no hipotálamo. Termorreceptores situados na pele, na medula espinhal e no cérebro respondem a quedas tanto de temperatura cutânea como da interna e transmitem essas informações ao hipotálamo que, por sua vez, emite a resposta apropriada. Em seres humanos, a queda da temperatura central estimula muito mais o tremor que a queda da temperatura cutânea.
A diminuição na temperatura cutânea e interna também é responsável pela vaso constrição periférica, outra importante resposta do organismo ao frio. A constrição dos vasos sangüíneos cutâneos provoca uma diminuição no seu fluxo à pele, reduzindo o envio de calor para a pele e aumentando o efeito isolante dos tecidos corporais. Além disso, o desvio de sangue para tecidos mais profundos ajuda a conservar o calor, uma vez que as veias mais profundas dos membros estão próximas e paralelas às artérias. Este é chamado “mecanismo contracorrente de troca de calor” que ajuda a conservar o calor, pois este calor do sangue arterial mais quente é transferido ao sangue venoso mais frio que está retornando à circulação central. É interessante notar que a vaso constrição periférica ocorre na maioria das partes do corpo, mas não nos vasos superficiais da cabeça. Isto significa que grande parte do calor dissipado para o ambiente durante a exposição ao frio é perdido através da cabeça, talvez 25% da perda total de calor.

Aclimatação ao Frio

Aclimatação refere-se às alterações fisiológicas que ocorrem após repetidas exposições a novas condições ambientais. As alterações fisiológicas que permitem aclimatarmo-nos ao frio costumam não ser tão bem compreendidas como as alterações que acompanham exposição ao calor e a grandes altitudes. Um exemplo da capacidade de aclimatação dos seres humanos à exposição prolongada ao frio é a assim chamada “aclimatação isolante”, observada nos aborígenes australianos. Tornaram-se mais tolerantes ao dormirem nus ao relento, aumentando a capacidade de vaso constrição periférica muito mais de que pessoas não aclimatadas, levando à queda da temperatura cutânea (2). Outro exemplo de aclimatação ao frio é um maior isolamento secundário devido a um espessamento da pele (3). Além disso, pode ocorrer uma “aclimatação metabólica”, em que a produção de calor eleva-se após exposição prolongada ao frio (4). Isso pode ser causado por um aumento na liberação de hormônios da tiróide e/ou sensibilidade mais acentuada dos tecidos à norepinefrina; esses dois tipos de hormônio elevam o consumo de oxigênio mitocondrial e a produção de calor. Por último, sabe-se que roedores são capazes de aumentar a produção de calor através de uma termogênese sem tremor, em que o tecido adiposo marrom, ao ser estimulado pela norepinefrina, gera uma alta taxa de calor. Entretanto, não há provas concretas que confirmem esse mecanismo em seres humanos adultos (1).

Exercício no Frio

Os efeitos do frio no desempenho e nas respostas fisiológicas ao exercício dependem da intensidade do frio e da natureza do exercício. Nesta seção foram considerados os efeitos do frio em exercícios de resistência submáxima e máxima e na força muscular.

Exercícios de resistência

Exercícios aeróbicos prolongados provocam um aumento de até 24 vezes na produção metabólica de calor. Esta produção de calor durante o exercício tende a compensar a perda de calor causada pela exposição ao frio. Os efeitos do frio na resposta fisiológica ao exercício aeróbico submáximo são determinados pela intensidade do exercício e do frio.
Durante a prática de exercícios de baixa intensidade no frio, a produção metabólica de calor pelo exercício pode ser baixa demais para neutralizar totalmente a perda. Conseqüentemente, podem ocorrer tremores durante o exercício, acompanhados de aumento proporcional no consumo de oxigênio (V02) e produção de calor. Em contrapartida, se a intensidade do exercício for forte o suficiente para gerar mais calor, não haverá tremor (5).
O efeito do frio sobre a força aeróbica máxima (V02 máx.) foi estudado através da diminuição das temperaturas centrais dos indivíduos antes destes serem submetidos a um teste de exercícios máximos. Tal tratamento resultou visivelmente em uma redução do V02 máx. (6). Este efeito pode ser causado em parte por uma redução da freqüência cardíaca máxima induzida pelo frio e pela conseqüente diminuição do débito cardíaco máximo.
O frio pode alterar o desempenho durante exercícios de resistência, pois diminuindo a temperatura interna, ocorre um aumento na captação de oxigênio e redução do V02 máx. O efeito resultante da combinação dessas alterações deve aumentar o custo metabólico durante o desempenho de uma tarefa específica. Conseqüentemente, o desempenho no exercício acaba sendo prejudicado.

Força Muscular

O resfriamento de um grupo de músculos provoca a redução da força e da potência (7). Assim, o desempenho de atividades ligadas à potência, como corridas de curta distância e saltos, é comprometido pela diminuição da temperatura muscular. Os mecanismos fisiológicos subjacentes ainda não foram claramente identificados. Entretanto, é provável que o aumento da viscosidade dos tecidos, a redução da velocidade de contração muscular e da velocidade das reações de clivagem do ATP sejam fatores importantes (4). Além disso, deve-se ressaltar que a capacidade de manter uma contração isométrica forçada pode ser intensificada pelo resfriamento local de um músculo (12) (13).

Frio Como Agente Ergogênico

Conforme foi descrito acima, temperaturas suficientemente rigorosas para reduzir as temperaturas central e/ou muscular prejudicam o desempenho em exercícios. Entretanto, climas frios ou rápida exposição ao frio antes de iniciar o exercício pode trazer efeitos ergogênicos. Em sua revisão detalhada sobre as aplicações do calor e do frio, Falls (8) conclui que o desempenho no exercício de resistência é melhorado em condições ambientais frias e de tratamentos pré-exercício, como imersão rápida em água fria, duchas frias e bolsas de gelo sobre o abdome. Esta conclusão confirma a observação de que desempenhos ótimos em provas de ciclismo e corridas de longa distância costumam ocorrer em baixas temperaturas. É provável que o mecanismo fisiológico subjacente esteja relacionado à capacidade de manutenção de um fluxo sangüíneo muscular intenso e adequado, em condições em que a demanda por fluxo sangüíneo cutâneo é baixa.

Fatores que afetam a tolerância ao frio

Vários fatores podem afetar a tolerância ao frio. Entre eles, encontram-se:

- Boa Forma Física. Treinos e conseqüentemente, bom condicionamento físico, parecem melhorar a tolerância ao frio. Por exemplo, treinos de resistência elevam a produção metabólica de calor e a temperatura cutânea durante exposição ao frio em repouso (9). Contudo, a literatura apresenta dados divergentes e ainda não se pode chegar a conclusões concretas sobre o papel da boa forma física na tolerância ao frio durante o repouso. Mesmo assim, melhor condicionamento físico parece ser benéfico durante a exposição ao frio, caso a atividade seja considerada uma resposta comportamental capaz de contribuir para a manutenção do equilíbrio térmico. Este último ponto foi bem definido por Horvath (1): “… para se sentir bem em climas frios, você precisa trabalhar mais: conseqüentemente, quanto melhor sua forma física, maior a probabilidade de você produzir mais.”

- Espessura Cutânea. A gordura subcutânea é um excelente isolante; assim, quanto mais espessa a pele, maior a resistência à perda de calor. Como resultado, indivíduos mais gordos tendem a tolerar melhor o frio que pessoas mais magras. Por exemplo, a temperatura central diminui mais rapidamente em pessoas com menos gordura subcutânea durante a natação em água fria (10).

- Sexo. Em comparação aos homens, mulheres tendem a apresentar níveis inferiores de forma física, maior espessura da pele e maior relação entre área superficial-massa. Assim, não é de surpreender que alguns estudos observaram diferenças entre os sexos na tolerância ao frio. Entretanto, se compararmos homens e mulheres com a mesma espessura da pele e mesmo VO2 máx., as respostas ao exercício no frio são bem semelhantes (11).

- Vento. Movimentos rápidos do ar aumentam significativamente a perda de calor cutâneo por convecção. Conseqüentemente, o vento tende a diminuir a temperatura cutânea e aumentar o risco de congelamento. Recentemente, a sensação térmica de mais frio devido à velocidade do vento tem sido utilizada para expressar a combinação de efeitos da temperatura do ar e da velocidade do vento. A Tabela 1 mostra o efeito da velocidade do vento na sensação térmica de mais frio e no risco de refrigeração excessiva ou congelamento.

- Imersão em Água. A condutividade térmica da água é muito mais alta que a do ar; da mesma forma, o organismo perde calor muito mais rapidamente durante imersões em água fria do que durante exposição ao ar à mesma temperatura. Como o calor corporal pode ser perdido tão rápido durante a imersão em água fria, mergulhadores, nadadores e triatletas deparam-se com certos riscos, inclusive hipotermia. Para obter dados mais aprofundados dos efeitos fisiológicos da imersão em água fria, consulte a revisão de Horvath (1).

Questões especiais de segurança

Hipotermia

Hipotermia é uma condição potencialmente fatal em que a temperatura central cai sensivelmente abaixo dos 37ºC normais. Temperaturas centrais abaixo de 27,5ºC podem resultar em morte. Os primeiros sintomas de hipotermia incluem fraqueza, fadiga e diminuição do tremor. Em fases mais avançadas, os sintomas são colapso e inconsciência. No contexto da atividade física, o risco de hipotermia grave e altamente intensificado por imersão em água fria, roupas úmidas e ventos fortes, condições que levam ao aumento de perda de calor corporal.

Congelamento

Os dedos dos pés e das mãos, orelhas e tecidos faciais são mais suscetíveis ao congelamento e devem ser verificados regularmente durante exposição ao frio e a ventos em que haja grande risco (ver Tabela 1). É importante notar que as vítimas do mesmo costumam desconhecer o fato de que tal condição se desenvolveu porque temperaturas extremamente baixas tendem a bloquear a atividade dos nervos sensoriais.

Sugestões Práticas

Exercícios físicos e esportes podem ser praticados com segurança, prazer e sucesso em ambientes frios, uma vez tomadas as seguintes precauções:

- Aquecimento adequado. O desempenho ótimo em muitas atividades atléticas, principalmente aquelas que dependem de velocidade e potência, requer a elevação da temperatura muscular antes da competição. O aquecimento a baixas temperaturas é mais difícil e é preciso usar roupas mais pesadas, exercitar-se mais intensamente e/ou por mais tempo e continuar aquecendo até o último minuto antes da prova.

- Uso de roupas adequadas. O efeito isolante das roupas é quantificado em unidades ‘clo’ (clo é a quantidade de isolamento necessário à manutenção do bem-estar em um sujeito em repouso, a 20ºC, umidade < 50 % e velocidade do vento de 6m o min-1 ). Conforme mostra a Figura 1, o isolamento necessário à manutenção do bem-estar diminui à medida que a intensidade do exercício aumenta. O fundamental, entretanto, é escolher uma roupa que mantenha o conforto durante a atividade, antes que a produção metabólica de calor tenha atingido um estado constante. Atletas tendem a usar roupas demais, o que pode levar a um acúmulo de suor nas roupas e/ou à necessidade de tirar as roupas durante a atividade.

A escolha das roupas utilizadas para exercícios no frio deve levar em conta o fato de que o objetivo é fornecer isolamento adequado, evitando o acúmulo de suor nas vestimentas. Em geral, esse objetivo pode ser atingido ao se usarem camadas múltiplas de roupas para tirar proveito do efeito isolante do ar que fica retido entre as camadas. A camada mais interna deve afastar a umidade da superfície do organismo (recomenda-se o uso de tecidos de polipropileno ou de algodão). As camadas intermediárias devem ser feitas de materiais que sejam bons isolantes, como pena de ganso ou materiais sintéticos com propriedades semelhantes. Sob chuva e vento, a camada externa deve ser à prova de água e vento. Agasalhos com zíper atuam como isolantes no início do exercício, mas podem ser abertos de modo a provocar resfriamento à medida que o organismo se aquece.
Como grande quantidade de calor pode ser perdido através da cabeça, o uso de artigos que a protejam são indispensáveis. Da mesma forma, deve-se dar grande atenção às orelhas, dedos dos pés e das mãos, protegendo-os contra congelamento.

- Direção do vento. A direção do vento pode interferir muito no bem-estar do atleta durante o exercício no frio. Durante os treinos, esquiadores cross-country, corredores e outros atletas de resistência são sempre aconselhados a “largar” de frente para o vento e a “voltar” com o vento. Esta prática previne os desconfortos associados à exposição a ventos fortes e gelados quando as roupas estão molhadas pelo suor.



- Evite resfriamento rápido após um ciclo de exercícios. Observam-se muitos casos de hipotermia na linha de chegada de maratonas realizadas em temperaturas moderadas ou frias. A hipotermia pós-exercício pode ocorrer porque, embora a produção de calor tenha diminuído, a taxa de calor perdido permanece alta. Ao final de uma prova de resistência a baixas temperaturas, recomenda-se agasalhar-se bem e se possível, buscar conforto em ambiente quente.

Autores: Russel R. Pate

Link:http://www.corporesanoacademia.com.br/frio-e-a-atividade-fisica/

Um comentário:

  1. Muito boa a ideia de unir sua paixão pela vida saudavel á sua habilidade de escrever!

    parabens fran!

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