sexta-feira, 22 de maio de 2015

O Nascimento do Treinamento Funcional na Rússia – Parte 2

Verkoshanski
O nascimento do treinamento funcional na Rússia - Parte 2 (por Riccardo Rambo)

No meu primeiro texto eu tentei explicar o porquê que o Treinamento Funcional não nasceu na Rússia. Gostei muito de escrever o texto e parece que, pelos comentários, vários leitores também gostaram. Mas eu falhei em cada justificativa! Cada vez que tentava fazer uma, o “exército vermelho” contra-atacava. E então, muito antes de qualquer nova criação dos meios e/ou métodos de Treinamento Funcional, os russos já tinham deixado sua marca. O título do primeiro texto se tornou verdade conforme ia explorando a história e literatura da metodologia de treinamento da Rússia. Agora, é minha obrigação de explicar e desfazer a confusão que eu mesmo causei… Os russos desde os anos 50, sempre tiveram como objetivo principal do treinamento físico a melhoria da função¹. Seja para a população geral (preparação para guerras), seja para os atletas (esporte de alto nível). Para isso, o sistema de treinamento russo prevê uma progressão sistemática da melhoria e especialização dos movimentos humanos e capacidades físicas através dos anos. É o treinamento a longo prazo (muitos anos) que representa a estrutura superior onde são traçadas as estratégias para a obtenção de uma medalha de ouro. Neste processo é evidente a preocupação não apenas com a eficiência do do exercício ou treinamento (a dinâmica de cargas tem que assegurar a obtenção de resultados superiores), mas com a saúde geral do atleta para que este possa completar todo o ciclo de treinamento.

Meu primeiro grande achado foi a Teoria dos Sistemas Funcionais de P. Anokhin (anos 50). Para Anokhin, o treinamento deve estar relacionado a um objetivo e, integrar o sistema nervoso central, o sistema neuromuscular e, o sistema de abastecimento energético. Não apenas treinar o músculo. Essa teoria foi usada por Verkhoshansky como uma das bases da fundamentação de sua metodologia. 40 anos mais tarde, na “descoberta” do treinamento funcional no Ocidente, a definição ou conceito deste “novo” sistema de treinamento envolve os termos “melhorar a função”, “treinamento com proposito”, “adequação ao corpo (articulações, músculos, sistemas energéticos) e pessoa (características e necessidades em relação à tarefa)”. Daí, no treinamento da antiga Rússia, um dos objetivos iniciais e principais do treinamento era melhorar o que eles chamaram de estrutura morfo-funcional. Batalha vencida pelos russos! Meu segundo grande achado (e lembro que me senti como “Indiana Jones”) foi o conceito de Mecanismos de Trabalho e Sinergias Musculares de N. Berstein (1967).
Neste conceito, para aumentar o potencial motor (que foi “desenvolvido” pela estrutura morfo-funcional), deve-se treinar os grupos musculares agonistas e antagonistas, grupos musculares responsáveis pelos reflexos posturais elementares (conhecidos no Ocidente e no Treinamento Funcional como “CORE”!), sucessão racional do recrutamento de diferentes músculos², as propriedades elásticas dos músculos (FÁSCIA!!) e, o sistema do tônus muscular. Não se devia apenas aumentar o potencial de força dos músculos, mas a capacidade de geração de força dos mecanismos de trabalho. Esse conceito também foi usado por Verkhoshansky em sua metodologia para a correta escolha de exercícios. Batalha novamente ganha pelos russos! Em relação ao exercício propriamente dito (meios de treinamento para os russos), eles classificaram e organizaram metodologicamente uma quantidade quase infinita de exercícios tanto para habilidades motoras fundamentais como específicas.
Para A. Novikov (1949), os exercícios deveriam ser classificados para todos os aspectos da Educação Física para que o seu potencial científico e prático não fosse desperdiçado. Os exercícios são classificados em: exercício competitivo, exercício de preparação física (preparatório) especial e, exercício de preparação física geral (L. Matveev, 1977). Para cada esporte, existem dezenas de exercícios criados para uma preparação geral e outras dezenas para uma preparação especial… Dezenas… Para cada esporte! Seja pela escassez de equipamentos ou para buscar a melhor eficiência ou o melhor resultado, a forma livre (peso do próprio corpo, barras, anilhas, kettlebell, cordas) era a preferência dos treinadores³. Esses exercícios especiais juntamente com uma técnica apuradíssima, foram os responsáveis (o “segredo”) pela dominância soviética nos esportes de alto nível da década de 70 a 90. Por exemplo, no esporte Levantamento de Peso Olímpico, foram organizados e classificados mais de 100 (!) exercícios divididos em 3 grupos: exercício competitivo (arranque e arremesso), exercícios preparatórios especiais (subdivididos em outros 3 subgrupos: exercícios auxiliares para o arranque, exercícios auxiliares para o arremesso e, exercícios auxiliares para os membros inferiores, torso e membros superiores) e, exercícios preparatórios gerais (treinamento físico geral).
Somando todas as variações, encontrei a seguinte quantidade de exercícios dos movimentos mais básicos (apenas os básicos!): arranque, 28 exercícios; arremesso (2 fases), 34 exercícios; agachamento, 37 exercícios; supino, 40 exercícios e; terra, 25 exercícios. Além disso, na Rússia, foram desenvolvidas as melhores metodologias de treinamento de levantamento de peso olímpico, aquecimento ou alongamento dinâmico, liberação miofascial (através de técnicas específicas de massagem), treinamento assimétrico (algo próximo do que é chamado de “unilateral” no Ocidente, mas muito mais completo), treinamento de força especial, treinamento com kettlebell e, dos exercícios de salto (“pliometria”). No caso dos últimos três, eles realmente nasceram na mãe Rússia! Tudo, mas tudo mesmo, o que hoje em dia é utilizado no Treinamento Funcional. Fim da guerra. O Treinamento Funcional, camaradas, nasceu na Rússia!
Para concluir, um pensamento simples mas extremamente significativo do Verkhoshansky: “Em minha opinião a abordagem metodológica correta é finalizada para criar um sistema específico de meios e métodos de treinamento, no qual cada componente (também, exercícios aparentemente menos específicos) têm a posição exata no sistema de treinamento específico” (Comunicação pessoal, 2008). Nasdrovia, tovarich! Notas: 1 – “O Método Conjugado que eu sei que foi inventado em 50 pelo meu professor, o famoso treinador de salto em altura V. Djachkov. Foi uma brilhante ideia usar os exercícios de força especiais para melhorar a técnica dos atletas. Pela primeira vez na metodologia de treinamento desportivo foi introduzida a ideia de que para ajustar a técnica de exercício competição é necessário aumentar a expressão de nível de força em movimentos determinados. Naquela época, eu e Djachkov elaboramos em conjunto este método e eu sugeri-lhe que o nome “conjugado”, porque os exercícios de força teriam que ser “conjugados” com as questões técnicas dos atletas. Depois, eu introduzi o Princípio de Correspondência Dinâmica para selecionar e elaborar adequados exercícios de força especiais sobre a base da análise da estrutura biodinâmica do exercício competitivo. Muitas vezes, na URSS o Método Conjugado foi usado também como “a execução de exercícios de competição com sobrecarga”, Verkhoshansky, 20011. 2 – Exercícios organizados em uma estrutura cinemática definida do aparato motor, envolvendo: exercício uni-articular (par cinemático), multi-articular (cadeia cinemática) e, a combinação conjugada-sequencial (sistema cinemático). 3 – “A limitação importante de muitos aparelhos de treinamento de força é que eles são desenhados para treinar músculos e não movimentos. Devido a isso, eles não são a ferramenta mais importante no treinamento de atletas”, Zatsiorsky, 1995.

Link:http://homeostasetreinamento.com.br/o-nascimento-do-treinamento-funcional-na-russia-parte-2/

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